Crescimento Pós-Traumático

Crescimento Pós-Traumático

Neste período pandémico temos falado um pouco mais sobre trauma ou experiência traumática. Estamos perante uma ameaça real, com perdas efectivas envolvidas, com isolamento, mudança de hábitos, incerteza e medo permanente. Tudo isto está a ter impacto na saúde mental de todos nós.

Temos, igualmente, abordado os efeitos da pandemia no nosso bem-estar emocional, referindo o aumento de sintomatologia ansiosa e/ou depressiva, o abuso de substâncias para regulação emocional, luto complicado, entre outros pontos. Ao mesmo tempo fala-se, por vezes de forma desesperançada, sobre as mudanças que esta pandemia poderá trazer na sociedade: o altruísmo, a empatia, a valorização do tempo em família e com amigos, entre outros aspectos. Quando se fala nisto, está-se a abordar um processo, que é pouco falado, embora já seja estudado há algum tempo, o crescimento pós-traumático.

O que é Crescimento Pós-Traumático?

Crescimento pós-traumático corresponde ao conjunto de mudanças psicológicas percebidas como positivas e que resultam de um acontecimento traumático experienciado. É falado por vários autores como “benefícios percebidos”, “crescimento relacionado com o stress” e “crescimento existencial” (Grad & Zeligman, 2017).

No modelo de Tedeschi e Calhoun (2004), as mudanças positivas percebidas enquadram-se em cinco domínios:

  1. Relações interpessoais – pode passar por uma maior clareza das suas relações, aumentando a proximidade e intimidade e/ou enfraquecimento de outras relações.
  2. Novas Possibilidades – pode passar pela emergência de novas perspectivas sobre a vida ou contextos de vidas.
  3. Competências pessoais – a percepção de capacidades e recursos internos fazem com que a pessoa se sinta mais fortalecida e capaz de enfrentar desafios futuros.
  4. Desenvolvimento Espiritual – maior conexão com a religião ou espiritualidade funcionando como uma estratégia de coping, ou seja, é o recurso principal que ajuda a lidar com a adversidade. Também pode acontecer uma maior clareza face às crenças religiosas ou espirituais, reorganizando a sua visão neste âmbito.
  5. Valorização da vida – a acolher a imprevisibilidade da vida, a pessoa muda as suas prioridades e dá-se um aumento da valorização de aspectos do quotidiano que no passado não eram tão importantes.

Estudos demonstram que mais de metade das pessoas que passaram por uma experiência traumática relatam pelo menos uma mudança positiva percebida como consequência desse mesmo evento (Grad &Zeligman, 2017).

Importa salientar que crescimento pós-traumático não é sinónimo de inexistência de sofrimento associado ao acontecimento traumático. Aliás, existe uma coexistência enquanto a pessoa está a integrar internamente essa vivência.

Aspectos facilitadores de crescimento pós-traumático

Existem alguns aspectos que podem facilitar o processo de crescimento pós-traumático e que de acordo com Joseph et al (2012) estão relacionados com:

  • a personalidade da pessoa, como a estabilidade emocional, extroversão, abertura à experiência, optimismo e auto-estima;
  • a forma de lidar com as situações recorrendo à aceitação e reenquadramento positivo, a busca de suporte social, o apoio religioso/espiritual e capacidade de resolução de problemas;
  • a rede de apoio.

Assim, neste período adverso que vivemos pode ser facilitador manifestarmos o que sentimos, reconstruirmos a nossa visão da nossa vida e do mundo, buscarmos e oferecermos suporte emocional, de forma empática, para promovermos o nosso crescimento pós-trauma.

É certo que não sabemos ao certo qual o impacto que tudo isto vai ter no futuro ao nível comunitário, mas podemos trabalhar na realidade que está ao nosso alcance: a nossa.


Lília Andrade

Psicóloga, Coach e Hipnoterapeuta


Referências bibliográficas:

Grad, Ramona I.; Zeligman, Melissa (2017). Predictors of Post-Traumatic Growth: The Role of Social Interest and Meaning in Life. Journal of Individual Psychology, Vol. 73 Issue 3, p190-207. 18p.

Joseph, S., Murphy, D. & Regel, S. (2012). An Affective–Cognitive Processing Model of Post-Traumatic Growth . Clinical Psychology and Psychotherapy, 19, pp. 316–325

Taylor, S. (2020). The Coronavirus and Pos-traumatic Growth. Scientific American Mind, Vol. 31 Issue 4, p26-28. 3p.

Tedeschi, R. G., & Calhoun, L. G. (2004). Posttraumatic growth: Conceptual foundations and empirical evidence. Psychological Inquiry, 15(1), 1-18.