Vivemos atualmente uma fase em que a humanidade está a enfrentar momentos de incerteza, de choque, de medo e de trauma. Após dois anos a enfrentarmos uma pandemia, em que o impacto na saúde mental é preocupante, surge uma guerra e com ela aumentam sentimentos de angústia, falta de esperança e desânimo.
Se tem sentido tristeza, medo, revolta, ansiedade e stress, é natural que assim o seja. Os acontecimentos mais recentes causam incerteza colocando em causa a nossa segurança.
O que acontece em momentos em que enfrenta uma ameaça/perigo, sendo colocada em causa a sua sobrevivência (estado de segurança)?
Parte do seu sistema nervoso é constituído pelo sistema nervoso autonómico (SNA) – sistema que gere diversas funções automáticas como o seu batimento cardíaco, digestão ou temperatura corporal (funções que realiza sem precisar de utilizar o pensamento). Para além de todas essas funções, o SNA gere também as suas respostas de sobrevivência e stress. É o “scan” do seu meio ambiente – que percebe se está em segurança ou em perigo.
Desta forma, perante situações imprevisíveis, responderá de uma forma automática, sem pensar. Por exemplo, quando apanha um susto ou quando está numa situação mais perigosa/ de risco de vida.
Portanto, quando o nosso SNA deteta perigo ou ameaça, a primeira coisa que tentamos fazer será pedir ajuda a alguém (estado de segurança – compromisso social). Contudo, isto nem sempre é possível. Não sendo possível ou não existindo sequer essa oportunidade, o alarme do nosso cérebro dispara (amígdala cerebral), enviando sangue e oxigénio para os nossos músculos, hormonas (como a adrenalina e noradrenalina) para todo o nosso corpo – estamos preparados para lutar ou fugir. Temos toda a energia no nosso organismo. Deixamos de estar num estado de segurança e passamos a estar no estado de mobilidade (luta/fuga). Se mesmo com o corpo todo preparado para agir, não for possível lutar ou fugir, o corpo entra automaticamente em estado de colapso ou congelamento, num estado de imobilidade. O SNA gere todo o processo, fazendo então com que o nosso corpo “congele”, para que seja possível sobrevivermos – toda a energia vai ser guardada no nosso organismo para quando for novamente possível, ser utilizada. Este processo é rápido, instintivo e fisiológico – não conseguimos controlar, pois a parte consciente e do pensamento estão num estado off. As partes do cérebro responsáveis pela sobrevivência é que estão on, tal como os animais primitivos que já tinham este sistema de sobrevivência no passado.
Se o SNA estiver a funcionar saudavelmente, vai ter resiliência para retomar novamente o estado de segurança, após o evento stressante.
Durante o seu o dia a dia estes três estados (segurança, mobilidade e imobilidade), geridos pelo SNA, estão sempre a fluir entre si. Por exemplo, quando está com pessoas de quem gosta, sente-se conectado/a – está num estado de segurança. Se lhe apetecer ir andar de bicicleta, para além de estar num estado de segurança é também ligado o seu estado de mobilidade para lhe dar energia e ação. Se, por outro lado, quiser descansar ou dormir, está também em segurança, mas é acionado também o estado de imobilidade.
Quando é instalado o trauma?
Quando experienciamos trauma ou stress crónico, o SNA deixa de funcionar de forma saudável e regulada. O que acontece é que em vez de retomarmos ao estado de segurança, o nosso organismo fica preso nas respostas de sobrevivência – luta/fuga ou congelamento/colapso. Quando não existem condições de reagir eficazmente a um perigo, a resposta fica incompleta, o SNA desorganiza-se e falha – o trauma é instalado.
Por este motivo, ao enfrentarmos situações semelhantes no futuro, após um evento stressante ou traumático, há uma resposta de ativação excessiva, mesmo sendo um perigo que não é real.
O facto de o organismo estar sintonizado em estado de sobrevivência (luta/fuga ou congelamento/colapso) vai trazer consequências – sintomas psicológicos e físicos que impactam no nosso dia a dia. Ou seja, o trauma não está no passado, mas sim no presente, no nosso corpo.
O que é então o trauma?
O trauma pode ser considerado como uma resposta a um evento ou experiência que é profundamente angustiante ou perturbadora e que sobrecarrega a pessoa para além daquele que é o seu controle. O trauma não é a experiência em si, mas sim o que acontece dentro da pessoa em resposta a essa experiência. Um acidente, uma guerra, a violência física e sexual são exemplos de experiências que podem ser traumáticas, assim como a culpa, a injustiça, o abandono ou testemunhar um acontecimento violento.
A pandemia e a guerra são consideradas eventos potencialmente traumáticos. Claro que nem toda a gente vai desenvolver trauma. Contudo, são eventos stressantes que nos deixam em alerta, mais ansiosos, stressados (estado de mobilidade) ou mais tristes, frustrados (estado de imobilidade) e isto causa um desgaste físico e psicológico. O nosso estado se segurança é posto em causa.
Por este motivo, é importante cuidar de si. Praticar o autocuidado. Num próximo artigo, serão deixadas algumas estratégias que o/a podem ajudar a retomar um estado de segurança e de bem-estar – cuide de si!
Psicóloga Clínica e Terapeuta EMDR